Madame Chocolat

A francesa Chloe Doutre-Roussel sabe tudo de chocolate. Ganha a vida degustando. Suas roupas têm bolsos especiais para levar barras. Suas opiniões levantam e derrubam produtos, orientam safras, antecipam tendências.

Ela ganha a vida comendo chocolates. Mas não coloca na boca qualquer um, “só os de qualidade, aqueles de que a maioria das pessoas nunca ouviu falar”. Uma afirmação assim pode parecer esnobismo. Porém, feita por uma das maiores autoridades do mundo no assunto, é a verdade pura e simples.
A francesa Chloe Doutre-Roussel, autora de The Chocolate Connaisseur, é consultora free lance de diversas marcas. Sua opinião é respeitada em todo o circuito chocolateiro – dos produtores de grãos às empresas de marketing. Seu trabalho é avaliar produtos, antecipar tendências, aconselhar países produtores de cacau e provar chocolates.
Além de especialista, ela é uma chocólatra confessa – do tipo que manda fazer vestidos com bolsos sob medida para carregar barras de chocolate. “Como por prazer e degusto a trabalho e por curiosidade. Como meus chocolates favoritos todos os dias e degusto chocolates enviados para mim por diferentes fabricantes para análise. Estou sempre buscando novas ‘chocoexperiências’”, diz. Detalhe: é magra e tem a pele sem espinhas.
Filha de um diplomata francês, foi morar em Paris na adolescência e ali descobriu a variedade de barras de chocolates nos supermercados – para não se confundir, catalogava os que já tinha provado. As anotações viraram mania. Quando chegou à faculdade de agronomia, brincava de adivinhar as marcas que os amigos davam a ela.
Hoje faz provas diariamente sempre às 5 da manhã, “quando o palato está fresco e limpo”. Se tem muitas amostras, separa todas na véspera, numa bandeja – não há risco para o chocolate, pois seu apartamento, em Paris, é climatizado a 16º C, o ano todo, para conservar bem o produto. Acorda, toma uma xícara de chá verde e começa a trabalhar. “Se o chocolate é bom, como, senão, cuspo”, conta.
Depois da prova, a barra devidamente catalogada e datada vai para a adega, que funciona como um arquivo, um banco de dados para consultas e comparações.
Chloe começou a ficar conhecida em 2003, quando foi contratada como compradora de chocolates pela loja de produtos sofisticados Fortnum & Mason, em Londres. Três mil pessoas disputavam a vaga. Seu currículo de agrônoma e a atuação em áreas distintas como a L’Oreal e a ONU não a colocavam entre as favoritas. Mas ela tinha paladar apurado, profundo conhecimento técnico. E, além disso, uma passagem profissional importante: tinha sido gerente de produto da confeitaria francesa Ladurée, então sob o comando de Pierre Hermé – que gostava dela a ponto de batizar cinco doces com seu nome.
Pegou o emprego. Viajou o mundo comprando chocolates para a grife inglesa por dois anos, mas desde 2007 atua apenas como consultora. 
Chocolate é uma febre mundial no momento. Quando se tornou um assunto sério?
Em 1995, marcas como Valrhona e Bonnat lançaram barras de qualidade superior, voltadas para consumidores diferenciados. Mas a verdadeira revolução vem ocorrendo desde 2000, com o lançamento de novas marcas de chocolate em barra, chocolates artesanais feitos por chocolatiers, chocolates elaborados por produtores de grãos… Há hoje cinco vezes mais marcas do que havia no ano 2000. Com a recessão, é difícil prever quais vão sobreviver e exportar com sucesso.
Quem faz o melhor chocolate do mundo no momento?
França, Estados Unidos e Itália continuam a ser os países com a maior quantidade de chocolates bons e interessantes feitos do grão. Vou citar os produtores em ordem alfabética: Amano (Estados Unidos), Amedei (Itália), Askinosie (Estados Unidos); Bonnat (França); De vries (Estados Unidos); Felchlin (Suíça); Domori (Itália); Pralus (França); Michel- Cluizel (França); Valrhona (França).
Chocolate bom é necessariamente uma questão de terroir?
Bons grãos (geneticamente) podem ser arruinados por fermentação e secagem ruim, pela torra inadequada e pela adição excessiva de baunilha.Grãos ruins (geneticamente) nunca vão dar um chocolate complexo. Ainda que o processo seja perfeito da fermentação à temperagem, ele pode originar um chocolate bom, mas não excepcional.
Como você classifica a maior parte dos chocolates do mercado?
A maioria do chocolate atualmente disponível no mundo tem origem em grãos ruins tratados de maneira ruim – o que significa má fermentação, secagem ou torra.
Você tem um cru favorito?
Cru, grand cru, plantation, chocolates de origem única… são termos copiados do mundo do vinho. Infelizmente se tornaram ferramentas de marketing e não significam nada porque foram usados muito e de maneira inapropriada. Existem chocolates terríveis chamados de “cru, grand cru” e excelentes sendo chamados simplesmente de “chocolate amargo”. Meu conselho é: não se influencie por essas palavras, ignore-as.
Depois de tantos anos, chocolate ainda é um prazer para você?
Claro, mas gosto de apenas algumas marcas e elas não são aquelas a que a maioria das pessoas está acostumada ou mesmo já provou. Há chocolates e chocolates. Eu como chocolate de qualidade, todo dia, muitas vezes por dia, mas prefiro não comer se não for um bom chocolate. O que busco são amostras de novos chocolates de marcas que já existem ou marcas totalmente novas.
É possível comparar chocolates de diferentes safras?
Ao contrário dos vinhos, chocolate não envelhece bem. Se eu guardar uma barra por mais de seis meses é porque não gostei dela a ponto de terminar e apenas a mantenho como referência, não para provar. Além disso, seria injusto pegar uma barra velha de minha adega e compará-la a uma amostra fresquinha, recém-chegada.
Quais são os tesouros que mantém em forma de chocolate?
As barras que não estão no mercado e são apenas protótipos de novas empresas.
Robert Parker não toma café nos períodos de degustação, Jancis Robinson evita pasta de dente… Como você prepara seu paladar?
Não como alho nunca, porque sou alérgica. Mas evito todas as especiarias, parei de tomar café, espero pelo menos meia hora depois de ter escovado os dentes… É importante ter o palato tão limpo quanto sensível e todos os produtos que mencionei poluem o palato.
Existem chocolates que você ainda não provou?
Não provo todos! Me interesso só pelos que têm qualidade superior à do Lindt. Há milhares de chocolates abaixo desse nível, que não provei e nem vou provar.
Qual foi o chocolate mais excêntrico que já comeu?
Houve uma moda, nos últimos cinco anos, com tantas barras novas, tanta competição para atrair a atenção da mídia e do consumidor, com as mais inesperadas combinações de chocolate com outros ingredientes como wasabi, queijo, trufas, alho, etc. A maioria deles é só jogada de marketing e os ingredientes não se harmonizam com chocolate e em geral se sobrepõem a ele.
No que está trabalhando agora?
Desenvolvi nos últimos dois anos uma parceria com uma cooperativa de produtores de cacau da Bolívia, El Ceibo, que produz chocolate fino desde a plantação até o produto embalado e pronto para exportação. Esse é, de fato, o único produto 100% feito por produtores de cacau no mundo. (www.elceibo.org) Os produtos são co-assinados porque lhes dei suporte em todas as etapas do projeto.
Há bons chocolates orgânicos?
A maioria dos chocolates orgânicos é menos fina, complexa, elegante e interessante que os “não orgânicos”. E chocolate é basicamente uma questão de prazer.
O comércio justo está se tornando um tema importante no mercado de chocolate?
Os produtos oriundos do chamado comércio justo estão crescendo, conforme a demanda. Mas eu não os defendo, embora obviamente defenda os valores embutidos no conceito. O que ocorre no mercado do chocolate é que há muitos países onde obter certificados (de comércio justo) é só uma questão de pagar. Então eu nunca sei quais são os certificados confiáveis.
Qual a próxima moda em chocolate?
As obsessões atuais são: chocolate feito no país onde os grãos são cultivados; chocolate feito em pequenas produções (de 10 a 100 kg) com máquinas inventadas ou restauradas pelo fundador da empresa; e chocolate feito a partir de grãos selecionados nos países cacaueiros pelos próprios chocolatiers.
Quais são os 5 chocolates que as pessoas precisam provar pelo menos uma vez na vida?
Gran Couva Valrhona; Chuao Amedei; Chuao Domori; Madagascar Pralus; Amano Madagascar.

Fonte: Estadão/ Patrícia Ferraz

Deixe um comentário